Hespanha, Portugal se achava sem apoio para a sua resistencia, por conselho dos Condes de Cantanhede e de Soure, mandou ao governador de Pernambuco, Francisco de Brito Freire, que preparasse abrigo para a chegada da familia real. O Padre Antonio Vieira estava então mal visto na côrte, mas é certo que esteve a pique o realisar-se o plano que tanto o agitava. Nas luctas tormentosas do reinado de D. Affonso VI, sob o governo do Conde de Castello Melhor, os jesuitas foram separados da influencia que sempre tinham exercido na côrte. Para rehaverem o ascendente perdido, trataram de demolir D. Affonso VI, e conseguiram tirar-lhe o throno e a mulher, dando-os a seu irmão D. Pedro II. N'estas intrigas preparatorias, o pretendente quasi fratricida, patrocinado pela Companhia de Jesus, era denominado o Encoberto, e é a D. Pedro II que se referem as prophecias sebastianistas que os jesuitas fabricavam em nome do sapateiro Bandarra. Por causa d'estas prophecias se viu o Padre Vieira envolvido em um volumoso processo da Inquisição (então governamental) e que assim dava um cheque á Companhia de Jesus (que era opposição); mas tudo mudou subitamente, desde que a Companhia poz no throno D. Pedro II e o fez o carcereiro de seu proprio irmão. Restaurado o poder jesuitico no governo de D. Pedro II, ainda appareceu um projecto de casamento da filha d'este com o principe castelhano, em 1676. Vieira regressava a Portugal em 1675, mas na côrte tinham medo d'elle, como declara o Conde da Ericeira: o seu juizo era superior e não egual aos negocios; e tratava os mais subtilmente do que o comprehendiam os outros principes e ministros.» N'estas subtilezas consistia o jogo da Companhia; por isso, como elle já nada aproveitava aos interesses da corporação foi atirado para o canto, recolhendo se á Bahia em 27 de janeiro de 1681, vegetando sem importancia em um Collegio até ao momento da sua morte. Tendo o Padre Vieira nascido em 6 de fevereiro de 1607 e fallecido em 18 de julho de 1697, abrange a sua existencia quasi todo o seculo XVII. Foi o seculo das grandes syntheses philosophicas do baconismo e cartesianismo, da renovação scientifica das Academias, e caracteristicamente da creação da Diplomacia. Foi n'esta ultima corrente que cooperou Vieira; dispendeu a sua actividade nas estereis intrigas politicas em que era muito prejudicada a combalida autonomia da nação portugueza. E' innegavelmente um grande vulto historico, e o conhecimento da sua vida é indispensavel para a comprehensão de uma das épocas mais agitadas da Historia de Portugal. Tal é o substractum do valente livro de João Francisco Lisboa; comprehende-se agora as hesitações ou receios da sua publicação, recommendando que o queimassem sem ler. O livro leu-se e já exerceu um altissimo influxo moral. Planeou-se em Lisboa um Centenario do Padre Antonio Vieira para o dia 18 de julho de 1897, em que o partido jesuita esperava fazer apparato da sua força, e glorificando o ho mem de letras apagar a impressão da apotheose de Camões. Agremiaram-se conselheiros, professores e começava a propaganda emphatica, quando em um jornal, a Vanguarda, foi feita a transcripção das paginas mais luminosas da obra de João Francisco Lisboa. Todo esse espectaculo sem sentido nacional esvaeceu-se na opinião publica, e a commemoração centenaria do Padre Vieira reduziu-se ao que era devido ao grande vulto — uma lápide e algumas prosas. A obra de João Francisco Lisboa é a gloria de uma litteratura; ditosa a provincia, hoje estado, que se faz representar na cultura mental por um tão alto espirito. THEOPHILO BRAGA. |