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tre os primeiros e os ultimos tempos, ha um grande seculo de obscuridade.

Sob o ponto de vista litterario, o coronel Lago é completamente nullo; e não é pouco singular, mesmo em relação á contextura material do seu escripto, que elle desdobre ás vezes dez e vinte paginas de um só jacto, sem dividir sequer as materias em paragraphos, passando sem transicção, e por bem dizer, quasi sem tomar folego, da descripção dos rios á dos gados, á dos homens, das fructas, dos passaros, e dos peixes. Para alardear erudição cita de vez em quando ora versos, ora auctores estranhos, cujo texto transcreve na propria lingua; e quando quer discretear e mostrarse amavel, compara a formosura, agrado e espirito das senhoras maranhenses com o aroma e sabor do ananás abacaxy!

A Jornada de Diogo de Campos occupa-se exclusivamente da invasão dos francezes, e a Memoria do senr. dr. Magalhães indica no seu titulo o assumpto de que tracta: estes trabalhos, como o assumpto sobre que versam, serão apreciados em occasião opportuna.

Timon não se propõe a supprir o que falta nestes nossos escriptores, dando uma historia geral do Maranhão, e organisando uma estatistica completa. Faltam-lhe para isso uma infinidade de recursos, estu

dos especiaes, e sobretudo o tempo, que, absorvido em outras tarefas, não lhe sobra de nenhum modo para andar compulsando os nossos archivos publicos. Estes mesmos devem de estar hoje bem pobres de documentos que possam ministrar algumas noticias; ha quarenta annos, quando escreveu Gayoso, não seria certamente assim; mas de então para cá, os monumentos e registros, passando com tanta presteza de umas para outras mãos, no meio de tantas reformas de repartições, se foram gradualmente consumindo e extraviando; e o pouco que nos restava, levou-nos ha cousa de dous annos o senr. Gonçalves Dias, por ordem do governo central, e antes que de todo se perdesse.

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Além disso, é nossa opinião que das pequenas provincias de um estado, não é mister escrever um corpo completo de historia; bastam simples e modestas memorias, que sirvam depois ao trabalho complexo que comprehenda o todo.

Com esta opinião, e na estreiteza de recursos em que nos vemos, a nossa tarefa consistirá em colligir, refundir, reduzir e comparar o que anda disperso ou disparatado nos auctores que acabámos de indicar, e

1 No XVI volume da Revista do Instituto Historico e Geographico do Brasil, de pag. 370 a 384, encontram-se o relatorio sobre os archivos do Maranhão, e a relação dos documentos, que o dr. Gonçalves Dias enviou para os archivos do Rio. Quanto aos livros da camara municipal, que andam por 12, já esta os reclamou do governo central.

(Dos EEDD).

em outros livros e documentos que temos podido haver á mão, e citaremos no logar proprio. Talvez a nossa apreciação, feita do ponto de vista actual, e segundo as idéas que hoje vogam, illuminando as profundezas e obscuridades do passado, dê aos mesmos factos já referidos, uma côr e apparencia diversa, e por isso mesmo nova.

Nem seguiremos a ordem chronologica, nem escreveremos de tudo, de principio a fim, sem interrupção alguma. Ao contrario, tractaremos cada assumpto separadamente, e segundo a diversidade delles, saltando de umas para outras epochas, conforme as noticias que dellas se nos proporcionarem.

Á volta das narrações historicas e onde couberem, irão as promettidas considerações sobre as diversas classes da nossa população.

Será de algum proveito este trabalho? o publico di lo-ha. Da nossa parte entendemos que em só reproduzir pura e simplesmente o que anda por ahi disperso, já não fazemos pequeno serviço, principalmente attendendo-se a que os exemplares de Diogo de Campos, Gayoso e Lago são hoje raros, e rarissimos seriam os de Berredo, a não ter sido a segunda edicção de 1850.

Seja como fôr, ao concluir esta introducção, rogamos aos nossos leitores que tomem este trabalho só pelo que elle vale, e verdadeiramente é-simples memorias ou apontamentos, como tantos outros que é de uso publicar em revistas litterarias, sem nenhu

VOL. II.

mas pretenções ambiciosas. Tanto mais que nem pretendemos supprir as faltas que arguimos nos escriptores passados, nem mesmo dispôr materiaes para os futuros; que o nosso fim principal, senão unico, é entreter a curiosidade actual dos nossos benignos leitores, e nada mais.

APONTAMENTOS

PARA A

HISTORIA DO MARANHÃO.

LIVRO I.

Descobrimento da America e do Brazil-Primeiras tentativas para o descobrimento do Maranhão-Naufragios de Ayres da Cunha e de Luiz de Mello-Narrações de João de Barros e de Severim de Faria Conjecturas sobre a epocha e logares destes naufragios, e sobre as forças da expedição de Ayres da Cunha-Erros dos antigos exploradores e dos seus chronistas-O novo mundo dividido entre os reis de Portugal e de Hespanha-Famosa bulla de partilha do papa Alexandre VI-Formulas singulares das doações de capitanias, e dos autos de posse.

Ao acaso foi em grande parte devido o descobrimento da America e do Brasil. Não quer isto dizer que Christovam Colombo discorresse à toa e de aventura pelos mares, quando pela primeira vez deu vista do vasto continente que hoje habitamos. É bem sabido que os seus immensos estudos, e sobretudo as inspirações do seu grande genio é que o determinaram a uma tentativa tanto mais arrojada e gloriosa; quanto era quasi geralmente reputada por mero sonho de uma imaginação exaltada. Não era porém

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