Page images
PDF
EPUB

RECREAÇÕES BOTANICAS,

POHMA

DEDICADO ÁS SENHORAS PORTUGUEZAS

POR

ALCIPPE.

Carminibus quæro miserarum oblivia rerum.

Ovid. Trist. liv. 5.o eleg. 7.a

Fuggi 'l sereno, e 'l verde;

Non t'appressar, ove sia riso, ò canto, Canzon mia nò, ma pianto;

Non fa per te di star fra gente allegra

Vedova sconsolata, in veste negra.

Petrarca

Canz. 1,

EPISTOLA DEDICATORIA

ÁS MINHAS PATRICIAS.

A

vós, a quem na flor da adolescencia
Um incognito amor os passos move,
E suave impulsão conduz aos prados;

A vós, Nymphas gentis, mando meus versos.
Se das flores o amor n'alma vos arde,
Esta doce paixão, vencendo as outras,
Do deleite e da paz vos abra os Templos.

Nascem no peito accesos os desejos;
Rapidos voam deste áquelle objecto:
Sem freio, a matizada phantasia
Acena com mil bens imaginarios,
Rejeita estudo, e só prazer approva.
Cautela! que estes fructos immaturos
Travam na bocca, e o paladar estragam.
Thalia engana quando vos promette
Premio ás horas perdidas no theatro.

Mas a manhã que aponta, o Sol que rasga
Da noite o véo cinzento; o Sol que nasce
Quando as estrellas desmaiando expiram:
As flores que borrifa a madrugada
De fresco orvalho, matutino aljofre:

As nuvens pardas, que ouro ardente entornam,
Que lampejam rubins, e os ares toldam:
Os mogarins, as rosas, as papoulas,
Que festejam a Luz, quando apparece:
Espectaculo são que a alma namora,
Que convida a estudar a Natureza.

Que luxo! que riqueza! se de Flora
O Templo Linneano se vos abre!
Se os incançaveis Zephyros que giram,
As perfumadas azas sacudindo,
C'os aromas das flores vos festejam!
Se Brotero e Corrêa (+) vos convidam
A herborisar nos valles, nos outeiros;
A explorar os jardins! Se vos consagram
Sacerdotisas dos floridos Templos!

Que premio deleitoso a meus trabalhos
Será, se excito co' estes versos toscos
A paixão da Botanica suave!
Mais não pertendo: evito altos arcanos
Que revelou profundo estudo aos Sabios.

Se a Sciencia buscais, consultai esse (**
Que o viveiro plantou dos Botanistas;
E junto do Mondego explora as plantas.
Chamai com patrioticos clamores

De um longo exilio aquelle Luso genio (***)

(*) Felix do Avellar Brotero, e José Corrêa da Serra, dois Sabios Por

tuguezes, bem conhecidos no mundo litterario.

(**) Brotero.

(***) Corrêa.

Que se vê pela Patria esperdiçado,
E outro hemispherio ambicioso o acolhe.
Ou sem designio, como eu fui, lançando
A vagabunda reflexão e os olhos
Sobre diversas plantas, na memoria
Ide gravando os varios caracteres.
Gostareis com Linneo prazeres novos,
Quaes participam flores, quaes escapam
Na corrompida humana sociedade.

Linneo, que a pompa nupcial das plantas
Vio no systema só que o precedia,
No poder que vejeta reconhece

A tendencia uniforme com que os sêres

Se amam, se attra'em, se enlaçam, reproduzem.
Pouco lh' importa a gala das corollas:
Invoca Amor; descobre outros mysterios,
E da germinação colhe os segredos.

Attonitos os Sabios, longo tempo

Creem que Linneo fallou co' a Divindade:
Ou que as plantas sensiveis lhe contaram
Com florida eloquencia seus amores.

Da Verdade nasceram ficções lindas,
Que, sem desfigurá-la, aos Vates servem
Para orná-la dos trajes mais modestcs:
E as Musas, cujos cofres, esgotados
Pela Grecia, já pobres se julgavam,
Incognitos thesouros descobriram.

« PreviousContinue »