Sem que lhe vedem florecer sem gloria. Nenhuma indagação lhe acha virtudes, Nada lhe pedem Medicina ou Artes. As flores c'o sol crescem, vento as mata. Quantas que o sol ajuda a sorte opprime, E brutaes mãos arrancam sem piedade! Vate divino! Tu, Camões, o digas. Ergue, Pacheco heroico, a voz da tumba! Ha de o futuro afflicto evocar outro, E cobrir d'ignominia quem o mata.
Dos mais pomposos Cistos se revestem Os vallados d'Hespanha, e nelles murcham. Ah! se ao menos a magoa adivinhasse O podêr soporifico que encerram, Menos que o lucro a dôr aproveitára A resina saudavel, que socega.
Fadado está que penas sem allivio, Dôres sem fructo, e sem favor industria Esperdicem da Iberia o chão fecundo. Dos physicos productos ninguem cuida: O valor só medrou; honra sómente Desarreigar não soube o Despotismo, Nem calumnias nem morte assustar podem.
Das Papoulas á frente, envolto em sombras Vejo Morpheo, somnifera Deidade: (14) Acamadas lhe prestam brando leito
Sobre o triclinio d'ebano em que dorme: Ornam-lhe o sceptro, cingem-lhe a cabeça; E o contacto do Nume é quem lh' infunde Os dotes raros com que o mundo acalmam.
A Noite, cortejada das estrellas, Desenrola o seu crepe á voz do Numen; O Segredo é ministro de seus ritos, E em seus altares placidos, mil vezes, Os Genios d'Amathunta incensos queimam.
Quantos sectarios deste Deos na Persia (15) Em vasos de cristal lagrimas guardam Das papoulas que fere agudo ferro!
Quantos, sem pejo, a Baccho as costas voltam, E d'opio a sêde fartam! que qual nectar Os abysma em pacifico deleite!
As formosuras da Circassia adoçam As faces d'assucena co' este pranto; E para suspender a dôr pungente, Qual Caduceo, se off'rece à Pharmacia.
Anemones, Rainunc'los, Achillegia, Engrinaldai-me a avena; não me esqueçam Tantas bellezas: Clemates profusos,
Que estes muros ornais; Tilia suberba, Vós reclamais meu canto, ornando a Classe: Crescei, ó plantas, prosperai nos prados.
Até 'gora os estames me guiaram: (16)
Agora a Didynamia e seus aromas Pelo fructo e semente se distinguem. Nova serie percebo; desnudadas Quatro sementes germinando observo. As valvulas que o tenro germe nutrem Cobrem apenas dois curtos estames, Sobre os quaes dois mais altos predominam, E a labiada flor tem novo aspecto.
No segundo jardim (jardins parecem As ordens em que as Classes se dividem) As flores mascarinas parodiam (17) A fauce aberta de um dragão ferino. O grão mais delicado, ou mais exposto, De um pericarpio a Natureza cobre.
Dos balsamicos dons com que perfuma A Didynamia a terra, qual bonina, Qual planta escolherei? A Calamintha ? A gentil Manjerona, que na Lysia Em guerra c'o Alecrim foi celebrada
Por um Vate infeliz? Rivaes de gloria, (18) Uma embalsema a camara de Lilia, Ou se aggrega ao florido ramalhete
Que o peito lhe orna, ou lhe decora a frente: Outro allega as honrosas c'roas que antes Os antigos compunham de seus ramos; Essa especie de culto que lhe davam Nas faustas e funereas incidencias; Esse credito e fé com que o guardavam Para reverdecer alem da morte. Hespanha! Portugal! Sitios honrosos, Seu berço foram; e hoje, que é regado Com sangue dos heroes, cresce, prospera, E affouto desafia as outras plantas.
Oh Patria minha, d'illusões coberta! Teu nome viverá; isso me basta, Quando mesmo a calumnia outros apague. Almas que excedem o ambito da terra Não temem do Ostracismo a fatal concha.
Tempo revoga iniquas leis ás vezes ;
E Salamina ou Marathon declaram
Se é justa a proscripção dos Aristides. Se esta mesma esperança a morte veda, De lá de donde um Deos julga a innocencia, Lá, com premio sem fim, Alorna absorto Verá que as palmas Lusitanas brotam Desse grão que espalhou, e outros recolhem...
Que tyrannica força me desvia
As labiadas são familia illustre (19) Que a Natureza distinguio vaidosa.
Pela forma do calix, pelas bracteas, (20) Pela corolla as reconhece a eschola. Destas plantas cheirosas as virtudes Combatem a tristeza, a dôr, e a morte: A cerulea Melissa, a Salva, e quantas São do afflicto mortal conforto, allivio: Se teem comparação co' a humana especie, Os modelos, ó Lidney! tu resguardas. (21)
As Mascarinas, menos favoraveis, Ás vezes uteis são, e são nocivas: Fazem bem por acaso, como aquelles
Que sem pura intenção os dons espalham. Não comparo estas plantas, bem que possa.
Entre estas plantas ha, como entre os homens, Fataes Solanos; flores suspeitosas, (22)
Cuja malicia occulta se disfarça
Co' as folhas, flor, e graça de outras plantas. A Jusquiama venenosa imita
A candida sinoula, e da chicorea Finge a folha saudavel, porêm mata. O Stramonio envenena, infesta os ares; Narcoticos effluvios delle, espalham O estupor, o delirio, e a vida encurtam : É da malicia humana triste imagem.
Estas plantas ingratas lembram esses Em cujo feroz peito ambição cria De ruina e vingança planos vastos.
Qual herva desprezivel, vegetava Assim Timeo, que as Furias educaram; E se mostrou Cometa furibundo Quando deste hemispherio desditoso Certos Astros benignos se occultaram. Os damnos que preságia então vomita; C'o infesto bafo os Astros mesmo apaga : Co' a tocha das Eumenides accende
A guerra, a sedição, e a morte espalha. Como o louco Diómedes raivoso, (23) No Phrygio campo os Numens insultando, Co' a lança audaz attinge a Deosa bella, E de celeste sangue quer fartar-se...
Venham as artes suavisar horrores: Surjam columnas, templos, monumentos, Que eternisem do Acantho a folha liuda, E a Classe, que esta planta adorna, exaltem. A bimaria Corintho se glorie (24)
Dos capiteis suberbos que a retratam ; Dos auriferos vasos que a Esculptura Recommendou aos seculos futuros.
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