Armou Vulcano d'invenciveis frechas: Loiro, gentil, manhoso, mal cuidava Que inflammado de Amor fosse vencido. Daphne amou; porêm tantos resplendores Não puderam ganhar a altiva nympha. <«< Não cuides (diz irada) que Diana É mais pura que Daphne: se te prezas De ser auctor do Caduceo; se cantas; Se em Delphos, em Colophon, teus altares Com perfumes e dons os mortaes cercam: Não cuides que esses altos privilegios Desculpem Dapne de ceder-te, ó Numen! Os Deoses todos, resistindo, invoco!... Ceos! fazei que esta forma delicada
Em rocha, em tronco as Divindades troquem! >> Nisto, de folhas toda se reveste,
O corpo em tronco rude se transforma; Dos torneados braços brotam ramos;
Na terra os alvos pés lançam raizes.
Nem todos vence Amor; nem Deoses sempre Seduzem Nymphas, quando são modestas.
Apollo geme: mas convem que o louro É do triumpho imagem; que só delle
que devem c'roar-se os Vencedores. Gloria immortal, que vale mais que a vida, E que em vão destruir pertende a morte.
Quanto é mesquinha a Fabula, se a mente Sobre as azas da luz sobe á Verdade!
Se fita o Sol que anima os sêres todos!... É templo deste Sol todo o Universo: São seus ministros Astros, Elementos;
Os Genios raros são seus sacerdotes. Decandria! Quem me dera que a Verdade (37) Me ensinasse a pintar-te qual te ostentas, Opulenta entre as plantas das mais Classes.
Linneo desta cohorte é Polemarcha; (38) Da castrametação conhece as regras: E qual no campo o General colloca Seus soldados; as ordens, as especies Sem confusão Linneo fixou das plantas. Um raio dessa Luz que tudo aclara Lhe revelou benigno estes arcanos.
O Ceo, que cede á voz omnipotente, Abre-se, e sólta sobre nuvens d'ouro Um Genio alado que atravessa os ares. Sette listas de cores mui diversas
Ornam a estrada etherea onde caminha; Cujos extremos, um no Ceo se prende, Outro, fixo, na terra se termina.
Alli brotaram flores, alli berço
De arbustos verdes recatava o Sabio
Do ardor do sol, nas horas do descanco.
Alli na forma de um ligeiro sonho
O botanico Genio lhe apparece.
Qual pintou Moscho Amor afogueado, (39) Todo graça e malicia, provocando
Desejos vivos, sustos namorados,
Não pinto o Genio que a Linneo fallava.
Era sublime, magestoso, e puro:
O seu rosto sereno scintillava
Como scintilla Hespero (+), quando a Aurora
Tinge apenas de rosas o horizonte.
Das roupas a materia diamantina
Ao capricho dos ares fluctuava, Como as ondas fluctuam na ardentia. As grinaldas de flores matutinas O airoso cinto ethereo suspendiam. Cingia-lhe a cabeça elmo brilhante, De celestes saphyras fabricado: Altas plumas suberbas sombreavam A frente altiva onde a razão luzia. Toda a forma divina dimanaya
Um puro gaz qu' inspiração se chama, E que a alma attenta docilmente aspira. Neste electrico banho se mergulha Linneo absorto; neste mar se abysma. << Enviado por esse Poder grande,
Que olha e dissipa n'um instante Imperios, Que desvanece Seculos e Gentes, E reveste com pompa a Natureza, Venho, ó Linneo, guiar-te: escuta, admira. (0 Genio diz) O Sêr que os Sêres rege Seus thesouros te envia; abre estes cofres: Verás a variedade das especies,
A riqueza da Classe, e seus primores. >>
Um véo, que argentea gaza mal imita, O Genio corre; e da Decandria a pompa, A riqueza a seus olhos manifesta.
Da Syria, do Levante, das mais terras
Que o Sol doura em nascendo, e quando morre,
Brotam plantas, arbustos, brotam flores. De uma pétala só se vestem quantas Rompendo vem na frente da fileira: Muitas pétalas vestem as que seguem : Sem esse adorno, menos seductoras Outras figuram, bem como figura
O despido Escossez entre a mais tropa De uniforme luzente revestida.
A phalange dos Cravos numerosa. Disputa na elegancia co' as mais flores; Tem virtudes que oppoem á mesma morte, Belleza com que eclipsa as mesmas rosas.
Entre generos tantos, tanta especie, Mythologica Andromeda apparece; (40) E c'o lyrio dos valles competindo A globulosa e candida corolla,
Que entre as folhas alternas vai nascendo, Languidos cachos brandamente inclina. O Dictamo, a Saxifraga inquieta, Os Medronhos, a Ruta bem quizeram Ter lugar neste Canto; mas o verso Não usurpa a Linneo o privilegio De aclarar da Botanica os arcanos. Elle em seus livros d'ouro que revele Quanto aprendeo do Ceo, e o Genio ensina.
A meiga Noite as sombras derramava Já sobre o campo; o Sol se recolhia: Mas Linneo, inda extatico, sonhando, Conferia c'o Genio sobre as flores. O Resedá com seu perfume o acorda;
Foge-lhe o sonho; e aponta a Dodecandria, (41) E com seu dobre calix a Agrimonia. (42)
A saude renasce; co' esta planta Esculapio assustou, astuto, as Parcas; E das mirradas mãos inexoraveis Mil presas moribundas lhe' arrancava.
Nympha celeste! Hygina! eis o teu sceptro (43) A vida co' estas folhas nos resgata; E verás os mortaes de aromas puros Embalsamar mil vezes teus altares. Verás, qual nasce no pomposo Maio Sobre arbusto espinhoso a fresca rosa, Convalescer o moribundo enfermo, E abrir alegre as portas da existencia.
Ó tu, Convalescença ! tu quebraste A fouce á Morte, refrcando ao Tempo O despenhado passo que levava : Com elastica força do sepulchro Tornaste á vida a languida Filena. Boninas! rodeai tão caro objecto...
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