Mil annos decorreram: quatro vezes Os seculos então se renovaram; Quando na França a voz da Natureza Commoveo Tournefort. Fogo celeste (14) Sua alma abraza desde os tenros annos: O curioso ardor forças lhe cria. Não mede precipicios; não o assustam Nos Pyrenneos audazes miqueletes. (15) Busca plantas, e plantas desentranha Dos rochedos que trepa, sem cançar-se. Despreza contusões, não sente quedas; Sua alma n'um só ponto se concentra: Quer surpr❜ender no facto a Natureza: Pela organisação com que vejetam Adivinhar os grãos de analogia Que a Natureza poz entre estes entes.
Distinguio pelas roupas primorosas, Pela corolla, o lustre das familias: E visitando a Grecia, despojada
Da gloria antiga, vio que as plantas guarda: Que mesmo entre musgosos monumentos As indigenas flores se renovam.
Tumente de sabêr, á patria volta ; E deixa nos escriptos lições vastas, Que, á maneira das plantas que observava, Deram semente prospera e fecunda. A Botanica surge, como brota
O plátano suberbo, como sobe
O freixo rico d'espaçosa rama.
Até alli um cathalogo de plantas
A Sciencia, na infancia, tinha sido: Com pedantesca phrase, a Medicina As virtudes dos simples demonstrava. Os termos eram véo com que encobriam Aos olhos da razão a Natureza: Tournefort este véo corre, e apresenta O vegetal thesouro aos outros Sabios. Indagadores genios tomam voo; Atrevidos, na terra tudo exploram; Syrthes desprezam, não recêam mares: E quando Boreas, revolvendo as ondas, Faz qu' estremeça o pallido piloto, O Botanico observa em tanto as algas; Co' a phantasia os portos avisinha, E os vegetaes, que presuppõe, contempla.
Tal o pintor Vernet, atado a um mastro, (16) Os serpentinos raios estudava;
E esses golfos d'azougue que a tormenta Nos mares abre, apresentando a morte, Gratos ao genio pictoresco, admira: E quando amaina o vento, sobre a téla Fixa os raios, o mar, a tempestade.
Não é tudo saber o nome ás plantas, Distinguir-lhe os adornos primorosos, Numerá-las, saber aonde nascem, Como prosperam; que cultura exigem: Não é tudo entre os homens propagar-se; Fructificar nas plantas, não é tudo. Analogias, habitos, caracter
Conduzem a Sciencia a gráó mais alto.
Ha nas plantas nações, raças diversas, Numerosas familias mui distinctas. Intrincadas são neste labyrintho
As veredas, immensas, e escarpadas: Mas tem Jussieu na mão o fio d'ouro (17) Que a salvo nos conduz por entre as brenhas. São monstros as crueis difficuldades
Que o Saber vence; e que, se a vida é pouca, E a sciencia espaçosa lhe não cabe, Fixos principios serão norma aos Sabios Que no tempo futuro lhes descubra Quando falta alcançar na nossa idade.
Entretanto vejamos que riqueza Encerra esse embrião tenue que o pollen No calix deposita, e que protege, Até ser fructo, a Natureza affavel. Os volvedoiros finos, que competem Co' a mais fina cambraya, não permittem Que o ar caustique o delicado infante. Rica mantilha o cobre, té que ousado + Rompa a prisão que o corpo lhe comprime. É fructo, é grão; e os intimos segredos Deste progresso apenas adivinham
Malpighi, Leuwenhoek, que os espreitam. (18)
Quem dirá que este grão encerrà tudo; Raizes, tronco, folhas, flor, e fructo? Que na terra, de novo germinando, Renova a planta inteira de que nasce?
Do cimo deste grão, como da base, A plantula projecta: hasteas, raizes,
Que aos ares sobem, que no chão penetram: No centro, orgãos diversos accumulam Fluidos varios que a raiz engrossam; E quando com vigor á terra a prendem, Refluem para a plantula, que exige Que a desenvolva nutrição mais forte.
Do spiral movimento deste fluido Uma folha procede; e de outras folhas Se seguem ramos, arvores se formam. Sois vós, ó folhas, esse traje nobre De que se veste a Natureza em pompa; São folhas o signal da Primavera. Os osculos de Zephyro transmitte (19) A mobil folha a Flora namorada: Na verde superficie os ares brincam; Ella respira, e suspirar bem póde,
Se ama, e não medra, quando amor lhe falta.
Futuro magestoso, que descobre Prophetica visão! Com que evidencia Has de mostrar o que hoje são mysterios! Com que pasmo Linneo do assento ethereo (20) Os discipulos seus verá na terra
Fixando as relações, os parentescos
Que entre si, vejetando, as plantas guardam!...
Ray, Tournefort, Linneo, e seus maiores, (21) Em colloquio celeste discutindo,
Verão co' a eterna luz quanto não vemos, E a Sciencia aos vindouros prognostica.
Verão como a semente, esse principio
Da opulencia dos prados, das florestas, Cria milagres d'arte e natureza. Tempes s' elevam, arvores agrestes (22) Em berços, em lamedas se levantam, E ao Cantor do Rhodope asylo prestam. (23) Berços d'hervas, eternamente verdes, Nos jardins de Corcyra abrigo deram (24) Ao vagabundo, heroico e agudo Ulysses, Que Nausicate encontra, reconhece, E com regia piedade ao pae dirige.
Celebres foram os jardins d'Alcinoo: Pomona mesma, tão famosa em Lacio, (25) Estes magicos sitios protegia.
Assidua Nympha cuida em que prosperem : Poda os ramos inuteis, rega a terra; As hasteas mais flexiveis entrelaça ; Cria os pomares, cuida dos enxertos. Vertumno namorado a cor tempera, (26) E nos fructos imita a que nas faces De quem adora observa suspirando. Umas fingem a purpura dos labios, Outras as rosas e jasmins do rosto: São d'ouro est'outras; o sabor e formas Sempre variando, o appetite excitam.
Assim nossos maiores, que entreviam O que sómente estudo rectifica, Da plantula, do grão, da agricultura Deoses crearam; e erigindo templos, A Pomona e Vertumno incensos deram.
Verdes retiros, campos esmaltados,
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