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Se a tanto me ajudasse ingenho e arte,
Cançam-me a vista imperceptiveis sêres:
Affeita aos astros, bosques, mares, terra,
A intelligencia immensa, o podêr vasto,
Que a materia divide, me arrebata:
Os meus olhos não veem; mas a minha alma
Apercebe os prodigios que semea

A mão divina nessas fezes flóreas.

Das Algas que direi? Té agora ignoro Se Flora as afilia entre as mais plantas, Ou se as cerulcas Nymphas do Oceano E o grandevo Nereo as organisam. (11) Vejo-as, co' as leis maritimas, crustaceas; (12) Herbaceas outras, que reclamam Flora, Mas das Nereidas são prazer e ornato. Quando os Rios nos cofres de Neptuno As cristalinas urnas vasam, levam D'algas e limo as frentes coroadas. As tranças azuladas de Melito (13) Na superficie d'agua vem nadando Com algas ennastradas, e o mar ornam. Os cintos de Panope e Galathéa (14) São perolas, coraes, que algas enlaçam. O filho d'Amphitrite, o buzio ungindo (15) Co'a gelatina e saes que n'alga encontra, Com mais sonoros sons convoca os Phocas, E o seu Pastor, que enigmas desenvolve. (16) Só elle dizer póde se são plantas, (17) Ou por que modo o mar cultiva aquellas: Se a gelatina é flor, se são estames Certos fios que indaga o Botanista, Sem comtudo atinar co' a essencia delles.

Não me importam por ora; Apollo sigo,
Que abrange tudo, mas escolhe assumptos.

Não me consta que a Musa enlameada Na costa Melibéa, ou nas alvercas Que humedecem o Pindo, investigasse Lichens, confervas, fucos, ou marchancias: (18) Que attentando nas algas, a recreem As fibras longas, desiguaes tuberc❜los Onde incognita flor tão tenue existe, Que, se existe, será no espaço um ponto.

Os Fungos o que são? Não sei: suspeito Que uns semi-plantas são, e semi-conchas; Que a Natureza os poz entre os limites Dos şêres que vegetam, dos que vivem, Dos que brotam na terra, ou n'agua moram. Objectos tão equivocos confundem,

Exhaurem as idéas, já cançadas

Pelos problemas que hoje o mundo abalam.

Vós, symbolo da gloria, vós, Palmeiras !
Conheço-vos melhor que os fungos novos,
Que d'incognita origem, vil escoria
Da terra são: abjectos, não desmentem
Em habitos, em forma, em cor o lodo.

Palmas e gloria são o mesmo assumpto
Que a Musa alenta e canticos inspira.
Tomara descrever-te, altivo tronco!
Tu, Principe das Indias, cujo aspecto
Assombrou a Linneo, dando-te Classe,
Sem se atrever de todo a definir-te. (19)

Sabemos que na spadix fructificas, (20)
Que a flor envolve defensora spatha; (21)
Que um tronco invariavel, liso, firme
No tope em ramalhete as flores brota;
Tem flores separadas e incompletas,
Umas só com pistillo ou com estames,
N'um individuo só ou nos diversos:
N'um genero porém flores perfeitas
Com pistillos e estames se descobrem.
Quanto devo á Botanica lhe pago:
A gloria exige mais; á gloria torno.

Para o sul do Mar-morto, onde moraya Do felpudo Esaú a gente forte, (22) A terra até aos Ceos quasi levanta As giganteas Palmeiras, esses ramos Que da Iduméa o nome consagraram. São do triumpho symbolo, são premio Que trocam pela vida Heroes valentes.

O sublime Theseo, que outr'ora affouto Lavou c'o sangue de Procusto a terra, (23) E o mundo alliviou de tres malvados, Colheo palmas; que então punir o crime, Exaltar a innocencia, era heroismo. Colheo palmas tambem, honrando as cinzas Dos guerreiros de Thebas, que insultava O ingrato Cresphonte: colheo palmas Quando os feros Centauros derrotava; Quando á patria voltando, leis prudentes Á nobre Athenas deo, bem como exemplos.

Com que illustre ambição aspira á palma

O irado Grego, filho dessa Deosa (23)
Que sobre as vacillantes ondas vinha
Acceitar de Peleo o terno incenso!
Tudo é furor no filho, e tudo gloria;
E tanta, que esta abafa a dor que inspira
O cadaver d'Heitor exangue e a rastros:
Não faz dó o gemido com que invoca
Esse filho da Aurora o Sol nascente: (24)
Nem já lembra que ás mãos do fero Achilles
Foi o Numen do Egypto victimado.

Tanto doura o valor acções ousadas!

Sobre as margens do Alpheo, lá onde Phidias (25) Imitou n'uma estatua o Pae dos Deoses;

Cujo prodigio d'arte Olympia exalta,

E faz que empreste a Jove o proprio nome;
Lá turba juvenil, na lutta e césto,

De honroso pó coberta, aspira á palma,

Que é recompensa da destreza e força.

Tambem tu, nobre Arthur, palmas alcanças:
Como Theseo venceste o Minotauro.
Nada te falta? Nada mais desejas?
Como Atrides, irado contra Achilles,
Não te agradam triumphos que puderam
Repartir com alguem a gloria tua?...
Quanto mais bello fôra, Heroe, teu fado,
O de outro Achilles, o da Lusa terra,
Se com a herculea força que te anima
A ferina calumnia derrubasses!

Se com tua effulgencia manifesta
A Verdade ficasse, e o Luso brio!

TOMO IV.

Mas em quanto a Victoria resplandece, E teu nome isolado aos Ceos levanta;

Em quanto a Fama emboca as cem trombetas, E tem fixos em ti seus crebros olhos;

Estranha terra embebe o puro sangue

Dos moços Lusos; Cintra horror inspira: (26) Cintra! que era morada dos prazeres,

Monumento de dor ficará sendo;

Madrasta dos Heroes, seva Medéa

Que os filhos ou rejeita ou despedaça.

Não te argúo; mas gemo, e gemo affouta, (Que é de um Heroe sentir tambem piedade): Vimeiro, Salamanca, onde fizeste

Reluzir o valor dos Portuguezes;

Onde em torno de ti os nobres restos
Do marcial ardor da Lusa gente
Suave e decorosa a morte achavam,
E pela Patria e gloria a vida deram;
Salamanca e Vimeiro te remontam
Té aos astros, e sobre o sacro Olympo
Com sossobro te mira o fero Marte.

Porêm que vejo!... As Musas assustadas
Trepam do Pindo as ingremes veredas;
Deixam-me só no mundo entregue ao susto,
E me agouram com lugubres gemidos!...
Presentimentos funebres me cercam,

E gelado terror me petrifica.
O chão treme... nas vêas vagaroso
O sangue congelado apenas corre...
No coração me pára... quasi expiro...
Como no dia infausto em que negava

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