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Um Vate (+) encontra Amor lançando frechas,
Ferindo os troncos, abrazando as selvas;

E deste doce incendio as plantas brotam
A fragrancia, a candura com que apontam
São da innocencia emblema; se Cupido
O voo não tomasse: porêm foge;
Remonta aos Ceos, e quer turbar a Terra.
Chega ao throno de Jove, bate as azas
Ante a face do Numen, que surpreso
Da mão lhe escapa o raio omnipotente.
O Deos travesso o apanha, em tres o dobra;
Carrega c'o joelho, e os crebros dardos
Faz em pedaços; pisa-os, salta, e rindo
Espalha pelo chão os igneos restos.
As Deosas tremem todas de queimar-se,
Ou que pegue no Ceo incendio activo:
Mas é na Terra que as centelhas chovem.
Disse à Malicia que invadisse os prados,
E convocasse os ventos agressores
Para alterar das plantas a innocencia.

Tudo acommette a turba revoltosa:
Não vale ás flores privilegio ou dote,
Favor do Ceo, adoração dos Povos.
Em vão brota do Loto a Divindade;
Em vão prostrado Egypcio o Nume adora:
Em vão prefere a púdica Diana,
Minerva a sabia, as folhas desta planta

Que a Esculptura nos Jonicos ornatos

Lhes consagra, exaltando excelsos Templos.

(*) Darwin, poeta inglez, auctor do poema do Jardim Botanico, traduzido

pelo Doutor Vicente Pedro Nolasco da Cunha.

O Nenuphar a esposa desconsola,
E sem pejo fecunda o Meniantho.
O Resedá fragrante se descuida
Da modesta pureza que o distingue;
E novo Linho novo monstro cria
Em Creta, affeita a crimes monstruosos.
Multiferos Geranios procederam
Dos ventos desenvoltos que levavam
Os calidos suspiros de outras plantas
Ao seio virginal d'incautas flores.
Trazem os filhos as feições diversas;
Nova physionomia, novo cheiro
Attestam sua origem, declarando
Os descuidos da Rosa e da Alfazema.

Mas do Gnidio as maldades tem desculpa; E Jove mesmo castigar não sabe

Os crimes com que Amor desarma a todos.
Só elle, só Amor calcula ao justo
Penas que igualem seu prazer divino.
Só elle pune as almas dos amantes,
Quando troca em supplicio os seus deleites:
Faz nascer a vergonha entre os prazeres;
Esse flagello d'almas delicadas,
Cujo poder delicias envenena,
Afugenta o respeito; e as horas leves,
De lugubre tristeza carregadas,
Pesam na vida, e chamam pela morte.

Se entre as flores de luto revestidas Encontrardes um symbolo das penas Com que o Fado opprimio de Alcippe o peito;

Em fim, deste sentir profundo e triste

Com que as duas irmãs-Ausencia e Morte-
Lhe prohibem qualquer contentamento;
Meditai por um pouco nas Saudades.
Misturai-as co' as palmas que colheram
Tantos Heroes da Lysia; e á frente delles
Dando a vida por vós o illustre Mello (+).
C'roai dellas heroicos monumentos
Que a gratidão e brio lhe levanta.
Corre aquecido o Adour c'o sangue Luso;
Alveja a França d'insepultos ossos;
Onde a justa vingança supervive

Aos Heroes que sem susto a lá levaram:
Porém a Lysia, a Patria, que não morre,
Que sáe d'entre cadav'res rutilante,
Vos recommenda os nomes generosos
Dos que a guerra devora: os vossos hymnos
Vida lhes suppram com applauso eterno,
Com saudades, com lagrimas, e palmas.

Eis-aqui como as flores desafiam
Da escandecida phantasia os voos:
Como disfarça a fabula a verdade,

E converte em recreio serio estudo.

Crede-me: ás flores consagrai momentos,
Patricias caras: crede a quem o Fado
Tudo roubou, excepto este recreio,

Com que ás vezes domei o rigor delle.

(*) O Conde de Ficalho, que muito se distinguio na batalha de Salamanca,

e morreo das feridas que recebeo nella.

E tu, que pelo Ceo d'Estrellas cortas N'um carro d'ouro, ó Sol, o teu caminho: Cujos urcos briosos calcam mundos; Cujos raios accendem Soes diversos: Tu participa luz a meus dictames; Tu das flores as roupas desenvolve.

Da hervagem fresca affasta o glutão gado, Satyro audaz, serpente venenosa:

Possam aquellas que eu convido aos campos Sem susto herborisar, colher capellas.

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