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CANTO VI.

Fate and dooming Gods are deaf to tears.
Dryden, Æneis L. 6. v. 512.

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MATINAL vigor foi desatando

O torpor que me tinha agrilhoada:
Apagaram-se os sonhos... e as idéas
No refrescado cerebro nasciam.

Momento, que aos ditosos tanto alenta!
Ah! que és tu para mim ?... Comigo acordam
As saudades e as dores; nova lutta

Trava em meu peito o fado; e quando venço
Venço sómente um dia desgraçado...

As Musas generosas já me tinham
Preparado as visões de um novo canto:
Já de Aganippe as aguas me banhavam; (1)
E requerendo ás grutas da Thessalia
Os poeticos sons que alli guardavam,
Apalpava da lyra as cordas doceis,
E contava attrahir bosques e penhas.

A teu favor, oh Lilia! oh sombra! oh filha! Tinha apanhado as flores com que havia

Prolongar-te a existencia, dar-te premio.
Cegueira humana! Ceos! o raio parte,
E a morte de meus braços te arrebata.

Tempos de horror, que em crueldade excedem Esse barbaro tempo onde na praia Andromeda, a um rochedo agrilhoada, (2) (Para pasto de um monstro) espera a morte!

Hoje não ha Perseos; monstros devoram Sem obstac❜lo a innocencia, a formosura: Surda Justiça os monstros nutre, applaude; E da materna dor o crime zomba.

Surda Justiça! com teus raios brincas?
Ociosos na mão, sem gloria, os guardas?
Que te fiz, Nume irado? Teus altares
Profanei por acaso? Esses teus ritos
Com animo leal não cumpri todos?
Quando os Notos raivosos me arrojaram
Nesta Lachéa praia, onde reside (3)
Um Cyclope com sede do meu sangue,
Temi de ficar só, de honrar teu templo,
Para remotas plagas trasladado?...
Não te mandei a offrenda preciosa,
O defensor que tinha? o penhor caro
De generoso amor, e fé segura?...
Em seu rosto florente não luzia
Mocidade celeste, audacia, e graça,
Amor da patria, e paternal talento,
Vassallagem fiel, sincero affecto?
Varrendo de Neptuno a crespa face,
Affrontou os abysmos, foi levar-te

O seu e o meu incenso alem dos mares.
Fiquei só... pelejando c'os Cerastes. (4)

Oh Fado cego! Oh presumpção feminea! Oh paixão de heroismo malfadada, Que tão pouco na terra se avalia!...

Mas tu, Nume enganado, não presumas
Que o teu poder destroe virtudes firmes.
Podes deixar abutres devorar-me,
Podes lançar da mão feros coriscos;
Seu fogo não consome lealdade,
Nem a pureza mancha aos sacrificios:
Hei de victima ser nos teus altares.

Os semi-deoses honram sempre os Deoses: São os filhos da terra, os Encelados, Os Typheos, Geryões, e outros Titanos, (5) Que accumulam os montes sobre os montes, Trepam o Pelion, contra o Ceo conspiram. O Ceo estupefacto a audacia admira: Sem pontaria as igneas frechas vibra: O forçado relampago fusila: Porêm o raio incerto serpeando Os malvados evita, e os bons aterra!...

Tal me vejo qual vio esse insensato (6) Que ao mundo ingrato trouxe a luz e o fogo, Cujo crime foi ver alem da meta

Que prescreve a ignorancia: odio, vingança
As vulcaneas cadêas me lançaram.
Fixa na ingleza rocha, aqui supporto

Novos tufões dos ventos furiosos,

E os turbilhões de area com que acoita
A tempestade a minha triste face.

Em vão pergunto aos astros onde escondem Quem á Patria languente alento dava; Qual nume despiedado ao Luso usurpa Seus Chefes naturaes, os seus Achilles! Tu, intrigante Sorte, horrido Fado! Complice da maldade, assim decretas.

Assim Juno indiscreta n'outras lides Salvou Turno dos golpes do heroe Phrygio, (7) E o Dauna illustre tarde vio o engano. Longe dos seus, co' a fama equivocada, De uma ingrata suspeita objecto odioso, Vagando pelo mundo, os Ceos argue De tão barbara força, derivada

Das mesmas leis crueis que impunha o brio.

Ah! quando acabarão penas tão grandes? Pergunta inutil... A esperança frouxa Nem se atreve a nutrir uma chymera: Minha sorte futura, qual Medusa, (8) A petrifica, a vence, a desanima...

Em vão mysteriosa a Cryptogamia (9)
O seu lugar requer; em vão, ó filhas,
Vos quero iniciar nos seus mysterios:
O estrondoso trovão dos infortunios
Me rodêa, me estruge, e sobresalta. (*)
Como quem pisa um chão pouco seguro,

(*) Estes versos foram escriptos em Dezembro de 1812.

Que em subterraneas luttas ronca e treme,
Vou procurando a Classe, e apenas posso
Fixar a vaga idéa em seu caracter,
Deixar que o estro largue affouto as azas.

Esta Classe não tem flores visiveis; Tudo é segredo nella, o nome o indica: (10) Da fructificação pouco se sabe;

Nos

generos que teem não se percebe, Em muitas, de que modo fructificam. Estames nem pistillos manifestam, Como ao principio n'outras Classes, ordens: Mas na estructura destas plantas temos. Indicios de que as ordens sejam quatro; E as feições que lhe achar irei pintando.

Os Fetos ou Filices (taes lhes chamam
Os mestres da Botanica) produzem
Sobre o dorso das folhas tenue escama
Que delle se levanta por um lado:
Parece ser a flor; nella se encerra
Um tenuissimo globo com pedunc'lo
Que um elastico annel circula e fecha:
Este globo projecta o pó fecundo.
Provavel é que a escama seja o calix,
E o globo uma capsúla ou pericarpio.

D'outra ordem são os Musgos: tenues fios Vem do seio das folhas, terminados Por mui pequenos corpos, como antheras. Myope, qual me fez a Natureza Para encarar melhor da Musa o rosto, E soffrer seus luzeiros como Homero,

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