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Nos salgueiros, nas frescas bordas d'agua,
No tosco seio de algum tronco informe,
Asylo a vosso gosto achais conforme,

E eu choro em desamparo a minha magoa.
Do fado injusto

Choro o delirio,

E o meu martyrio

Grava Amor em meu peito com bem custo.

-Bem que, aves, fosseis nymphas engraçadas,
E que o fogo amoroso, ou terna historia
De vós mesmas conserve só memoria,
Nos gestos infelices transformadas;
Cortais libertas,

Gemendo, os ares,

E os meus pezares

Eu choro entre prisões, que oh Fado apertas!

Se a filha de Coronis soffre a pena
De ver perdido o gesto encantador,
Por clamorosos ais a magoa, a dor
Faz ouvir a que Pallas a condemna:
Ao universo

Voando a explica,
Em quanto indica

Sómente o que eu padeço um rude verso.

Eu vejo suspender-se a natureza
Aos ais que lá no centro do retiro
Exhala Philomella; um só suspiro

Da voz não lhe interrompe a fortaleza;
Nem por ventura

Ressoa a gruta;

Attento a escuta

O bosque todo envolto em noite escura.

O quieto silencio, a obscuridade,
Que geram mil saudosos pensamentos,
Parece que das aves aos tormentos
Por estimulo, servem, de piedade:
Queixo-me em vão,

Pois meus gemidos
Ficam perdidos

Nesta insensivel negra solidão.

Basta, triste Canção, que a noite escura
Já manda recolher aos caros ninhos
Os suspirantes, ternos passarinhos,

E em vão lhes conto a minha desventura:
Quando nascer

A madrugada

Eu magoada

Tornarei o silencio a interromper.

CLARAS

CANÇÃO

Ás Aguas.

Turbate son l'onde
Del saggio Hyppocrene,

E Apollo divvene

Ministro d'Amor.

Metast. Azil. d'Amore.

LARAS aguas, de que ouço o murmurio,
Calado bosque, ermo, que sombrio

Abrigas em teu centro o escuro medo;
O mais terno segredo

Vem Alcipe fiar-vos no seu canto.
Doei-vos, selvas tristes,

Das magoas que me ouvistes

Desde que a voz queixosa aos Ceos levanto.

Não são as minhas magoas, não, vulgares:
Inventou para mim novos pezares,
No seu furor, a sorte mais adversa.
Aguas! quanto diversa

Junto das vossas margens 'stive um dia!
Um dia só contente,

Que o fado cruelmente

Alonga a dor, e encurta uma alegria.

Ali na fresca area destas praias,
Repousando-me à sombra d'altas faias,
Via passar a placida corrente;
Versos alegremente

Dictava Amor ao brando som da lyra;
Os Genios namorados

Me contavam cuidados

Que escutam de Cythera a quem suspira.

Nas verduras meus olhos alongando,
Passava o tempo leda; um gesto brando
Enleava meus ternos pensamentos;
Jámais os somnolentos

Filhos do Erebo, males deshumanos,

O seu negro vapor

Espalharam ao redor

Do asylo em que passei meus tenros annos.

Quantas vezes a Musa me guiava
Ao lugar em que terno suspirava
Petrarca saudoso! que em Vaucluso
Suave fez o uso

Da citara cadente, repetindo
Aquella branda historia

Que lhe poz na memoria,

Com as farpas de Amor, um gesto lindo.

Aonde os pensamentos me levavam!
Par'cia-me que as Musas enlaçavam
Com fios d'oiro as ramas do loureiro;
Depois, que o Deos flécheiro

Verdes myrtos colhendo os ía unindo
Á formosa capella

De que a Musa mais bella

C'roou Petrarca = Laura

= repetindo.

Sonhos vãos que forjava a fantasia !...
Prazeres que benigno Amor fingia !...
As Dryades me ouviram mil canções,
Que aos ternos corações

Excitaram mil gratos sentimentos:

Hoje nos troncos duros,

De meus fados escuros

Escrevo os tão diversos movimentos!

A minha antiga Musa se desvia,

Só m'inspira a cruel melancolia;

Outro Apollo não tenho que o meu damno: Ás vezes d'anno a anno

Uma triste cantiga solitaria

No centro do retiro,

Seguida de um suspiro

Arranca de meu peito a sorte varia.

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