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SONETO.

PENSAMEN
ENSAMENTO importuno, que me queres?...
Vens nas trevas da noite inquietar-me;
Abre-se o dia, vens atormentar-me,
E qual furia atacar os meus prazeres.

Bem sei que hasde matar-me se puderes;

Não tem poder a morte de assustar-me:
Mata pois; isso quero; hei-de alegrar-me
Se morrendo te impeço de venceres.

Mas quando tu me vires arquejando,
Pallido o rosto, a mão desfallecida,
Vai-te então, vai-te ao menos dissipando.

Eu não quero na praia desabrida

Do pallido Acheronte ir memorando
O assumpto que me mata, e te dá vida.

SONETO.

UE procurais de mim, tristes cuidados?
Deixai-me ao menos livre o pensamento,
Que parece sobeja a meu tormento
Na dureza dos males já passados.

Suspenda-se o martyrio, duros fados,

Receba o peito afflicto algum alento:
Mas que digo?... Da sorte me contento,
Quando sejam meus males triplicados.

Um triste peito alivio em vão procura,
Em vão busca dos males a distancia
Quando o persegue a sorte sempre dura.

Oh sorte iniqua! satisfaz a ancia,

Rouba-me o bem, rouba-me a ventura,
Que nunca roubarás minha constancia.

SONETO.

IDEAS

minhas, multidão de idéas

Que algum dia da citara fiava,

Vinde, trazei-me as horas que eu passava
Ao som de menos rispidas cadeas.

Bem que tristes, de paz as horas chêas,
Saturno no seu cofre as sepultava,

No feliz tempo em qu' inda eu ignorava
Que haviam para mim outras mais feas.

Ide colher aos ermos tenebrosos

Os ais que lá deixei menos sentidos,
Para modelo destes tão queixosos:

Talvez que esses antigos meus gemidos,

Com que eu domava os monstros furiosos,
Hoje abrandem meus fados desabridos.

1

SONETO.

POR

OR triste que da vida o termo avisto,
Distante cada flor com que era ornada
De meus annos a fresca madrugada,
Ao poder d'harmonia não resisto.

Luto co' as penas,

pezar conquisto,

E co' a face de lagrimas banhada

Vou procurar na citara empenada

Sons com que aplaque ou vença o rigor disto.

Sei que o prazer, qual fragil planta, dura,
Que o progresso do tempo traz mudanças,
E que a alegria é sempre mal segura:

Troco assumptos ditosos por lembranças;
Basta a meus hymnos gloria sem ventura,
Honra, virtude, e murchas esperanças.

SONETO (1).

Saudade.

ALTAS serras, que a vista frouxa alcança,

Onde o Cahos antigo inda hoje mora;
Nunca o tempo co' a esponja apagadora
Lavará da minha alma tua lembrança.

Nenhuns traços alegres da esperança !
Nenhuns sitios que afague a mão cultora!
Tudo da vida a luz activa ignora,
Tudo na morte tacito descança !

As palavras expiram-me na boca ;
Quer desatar-me quasi da existencia
Um ethereo ambiente que suffoca:

Tal da saudade a asperrima violencia
Uma Tempe ditosa em horror troca,
De taes cores a tinge a triste ausencia.

(1) Na serra de Monte-junto.

(Nota da auctora).

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