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EGLOGA

Aos annos de Tirce. (1)

LILIA E MARCIA.

LILIA.

CANTEMOS, flauta, em quanto irado o vento

Não perturba o socego deste prado;
Sinceras expressões do meu tormento
Derrame livre o peito magoado.

Talvez que de meus ais compadecido
Este calado bosque, este rochedo,
Repita com tristissimo gemido
Quanto apenas dizer posso em segredo.

Talvez que ao repetir as minhas magoas,
Só para confusão d'impios humanos
Se suspendam de horror as frias aguas,
As feras se condoam dos meus damnos.

(1) A Condessa do Vimieiro D. Thereza de Mello.

Ao confuso ruido das cadeas,
Ao passo lento, ao suspirar custoso,
Ás tristes e acerbissimas idéas

Que se pintam no rosto saudoso;

Me parece que toda a natureza
Se commove, sensivel se enternece,
E que nesses abysmos da tristeza
Tambem comigo os males meus padece...

Oh dia, feliz dia! tu que brilhas
Menos c'os apollineos resplandores
Que pelas excellentes maravilhas
Da bella Tirce, gloria dos Pastores:

Tu renovas suavissimo a memoria
Do instante em que vio a luz primeira,
E da rara virtude que com gloria
Lhe ennobrece dos annos a carreira:

No breve tempo que feliz respira,
Tantos dotes amaveis unir sabe,

Que a turba pastoril absorta admira
Tanto bem, que em tão pouco espaço cabe.

Oh duro Fado!... impio!... rigoroso !...
Tristissima pensão é estar ausente !...
Como pois, sendo um dia tão ditoso,
Me deixas suspirar tão tristemente?...

Se a doce e fugitiva Liberdade
Os meus votos ardentes escutara,
Não soffrera as violencias da saudade,
Os meus duros grilhões hoje quebrara.

Se já livrar-me a sorte menos dura
Deste mato escabroso consentia,
Aos pés da bella Tirce que doçura
Em mostrar-lhe o meu gosto encontraria!

Hoje os murchos cyprestes arrancara
Da triste frente que cingida tinham,
De verdes myrtos logo me c'roara,
Que só myrtos e rosas me convinham.

De flores adornara o meu cajado;
Ao som da minha flauta uma cantiga,
Que soasse aos ouvidos com agrado,
Cantaria em louvor da cara amiga.

Apenas espalhasse a roxa Aurora
Nos horizontes as primeiras rosas,
Saudara a bellissima Pastora,
Beijara reverente as mãos mimosas.

Ao primeiro volver dos olhos bellos,
D'entre as sombras da noite fugitivas,
Veria de finissimos desvelos

Demonstrações sinceras, puras, vivas:

Que amor, que sabe unir-se docemente
Em meu peito co' as graças da amizade,
Derrama com seu fogo sempre ardente
Nos doces laços mais suavidade.

Mas que posso fazer? se o meu destino,
Affrontado da minha tolerancia,
Entre mim e esse objecto peregrino
Põe tyranno os horrores da distancia?

Se inflammada com terna impaciencia
Derramo inutilmente os meus gemidos,
Aonde a tyrannia de uma ausencia
Nem consente que sejam della ouvidos?

MARCIA.

Já vens descendo, fresca madrugada,
Dessa corte de Jove luminosa :

Como teu gesto volves engraçada
A quem possue a paz deliciosa!

Um não sei que de alegre, Aurora, trazes, Mais candida, mais linda me pareces:

Que doce movimento n'alma fazes

Á

proporção que sobre a terra desces!

Com lindas mãos de rosas levantando
Da prateada fronte os teus cabellos,
Hoje mais que algum dia nos vens dando
No rosto alegre mil indicios bellos.

De Flora o terno esposo, que banido,
Já de Boreas cruel, de Noto irado,
Do nosso triste valle tinha sido,
Torna a brincar sobre o florido prado.

Em fim, quanto contemplo, quanto vejo
Me transtorna de triste em ser contente,
Todo o pezar me fica de sobejo
Pelo doce prazer que o peito sente...

Os troncos mil historias renovando,
Já de zelos crueis, e já de amores,
Uma doce ternura estão gerando
Nos corações sensiveis dos pastores.

Levanta-se acolá daquella parte
O frondoso loureiro sempre verde,

A

quem

Delio protege de tal arte Que as engraçadas folhas jamais perde:

A

De seus ramos se tecem as capellas
Que premêam os fortes vencedores,
E alcançam os serranos tambem dellas
Se cantam docemente os seus amores.

Ah quanto assim se vinga a tyrannia
De uma nympha cruel que desprezava
O Numen, pae supremo da harmonia,
Que pastor de Admeto a idolatraya!

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